quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Mimimi musical

O Bob Esponja apoia a diversidade musical.
Eu gosto de funk. Não porque acho engraçado ou por qualquer outra razão. Realmente gosto de MC Mayara e não troco o "mulher é tudo gostosa, poderosa, é rainha" dela por nenhum ritmo elitizado que inferiorize meu gênero. Pulei e comemorei quando Valesca Popozuda me respondeu no Twitter. Inclusive, sempre corro pra televisão quando ela está dando entrevista. E isso, por incrível que pareça, nunca diminuiu meu QI. Nem arrancou de mim o direito de ser feminista.
 Sempre que eu menciono que gosto do ritmo, torcem o nariz e dizem "logo uma feminista?". O machismo não tá no funk. Tá no mundo inteiro. No Brasil, na Dinamarca e na Rússia. No funk, no MPB e nas músicas eletrônicas. O único ritmo que não tem letras machistas é o instrumental (por motivos óbvios), mas, de resto, nenhum se salva.
 É fácil apontar Mr. Catra quando você não gosta do ritmo das músicas dele, mas se for pra julgar a inferiorização da mulher, vamos começar por Mário Lago e a Amélia. Que não pode ter vaidade e que tem que ficar em casa dia e noite esperando pela boa vontade masculina.
 O problema não é a ideologia que a música carrega. É de onde ela vem. Porque funk é música de favela, música criada pelos negros, música que não faz parte dos costumes da elite branca. Sendo assim, quem escuta é promíscuo, burro, ignorante e, como não poderia faltar: sem cultura. 
 Aos que acreditam que ritmos como funk, sertanejo e forró não são música, apresento a definição do dicionário:
 música
substantivo feminino
  1. combinação harmoniosa e expressiva de sons.
  2. a arte de se exprimir por meio de sons, seguindo regras variáveis conforme a época, a civilização etc.
  3. interpretação de obra musical.
  4. p.met. conjunto de sons vocais, instrumentais ou mecânicos com ritmo, harmonia e melodia.
  5. p.met. produto da criação ou execução musical.

 Desculpa pelo choque, mas é isso aí. Todos esses ritmos caracterizam música. Parece louco acreditar que o conceito não é baseado no seu gosto, eu sei. Agora não tem mais desculpa, né? Já dá pra parar de ficar dizendo que não é válido só porque você, que aparentemente tem toda a sabedoria do mundo, não gosta.
 Não acho nada errado não gostar de um ritmo. Aliás, acontece o tempo todo, com todo mundo. Mas, desvalidar algo baseado no seu gosto pessoal é, no mínimo, um egocentrismo sem tamanho. Então, vamos nos dar as mãos e prometer não julgar o amiguinho só porque ele tem um estilo musical diferente, ok?
 E que cada um escute o que quiser, quando quiser, sem ser da conta de ninguém. Porque a graça das coisas é exatamente esse monte de possibilidade que temos.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Princípio da Smurffete e representatividade feminina

Esse texto é parte de uma série com os posts que escrevi para o meu blog antigo.

Você smurfou com a garota errada.
 É muito difícil que você nunca tenha ouvido falar dos Smurfs. Além do desenho dos anos 80, a franquia inclui dois filmes hollywoodianos e alguns jogos espalhados por toda a internet. As pequenas criaturinhas azuis representam (e nomeiam) o fenômeno notado por Katha Politt: O princípio da Smurfette.
 Smurfette é a única representante feminina da comunidade e é disso que o princípio se trata: o costume de que filmes, séries, livros e histórias e quadrinhos tenham apenas uma mulher. Muitas vezes, sexualizada e retratada com roupas justas e curtas, numa clara tentativa de agradar e atrair o público masculino com a sensual e indefesa personagem. O estereótipo de garota legal é normalmente seguido: ela é bonita, inteligente (mas não mais que o personagem por quem se apaixona) e nunca reclama – quando o faz, em seguida pede desculpas, mesmo que tivesse razão na briga -.
 A Smurfette em questão pode corresponder tanto a apenas uma personagem feminina, quanto a singularidade de um representante negro, homossexual ou pertencente a qualquer minoria. Basta parar pra observar os cartazes no cinema que a ideia vai ficar óbvia. A ideia dos roteiristas e autores é, mesmo que inconscientemente, garantir a representatividade, mas mantê-la ainda em papel secundário.
 O cinema vem mudando e nos presenteando com várias personagens femininas que, além de fortes, não estão lá com o papel de mãe/namorada/irmã, nem de forma sexualizada, mas ainda há muito o que melhorar. O público está cada vez mais crítico. Prova disso é o Teste de Bechdel, que determina que os filmes com representatividade feminina devem ter, no mínimo, duas mulheres, com nomes, que tenham uma cena em que conversem entre si sobre algo que não seja relacionado a homens. Apesar da margem de erro do teste, ele já é um sinal de que a audiência se tornou mais exigente.
 Não basta uma personagem feminina de fundo, pronta pra ajudar, queremos protagonistas inteligentes e independentes. Não dizem que a vida imita a arte? Está mais do que na hora da arte imitar a vida.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Voar e seus lembretes

Esse texto é parte de uma série com os posts que escrevi para o meu blog antigo.

 

 Eu amo voar. Não num sentido conotativo, relacionado com dar asas à imaginação ou com qualquer outra metáfora, mas literalmente voar. Numa cadeira de avião. De preferência ao lado da janela – porque Alexandre Garcia estava certíssimo quando elogiou as maravilhas desse tipo de assento -. Não só porque é prático, rápido e bem mais confortável do que a maioria dos meios de transporte. Nem porque é o único em que consigo ler, escrever e desenhar sem começar a sentir dor de cabeça. Mas porque a ação tem um significado muito bonito pra mim. 
 Primeiro porque, por mais que já tenha escutado mais de uma vez a explicação de como algo tão pesado consegue se manter no céu, ainda acho que o processo passa um pouquinho de mágica. Uma mágica física, mas não menos interessante. Ver a estrutura gigante se afastar do solo e passar entre as nuvens é sempre uma experiência incrível.
 Também porque sempre me encanto ao pensar nas bilhares de experiências diferentes sendo vividas nesse exato momento. Enquanto você lê isso, alguém pode estar sendo pedido em casamento, dando o primeiro beijo, terminando um relacionamento abusivo, comprando um vestido azul que tem um caimento perfeito ou lendo um livro entediante. Pode ser que alguém tenha acabado de descobrir uma gravidez, a diminuição de um tumor que reagiu bem aos tratamentos ou o caso que o cônjuge vem mantendo há anos. 
 Talvez agora haja um casal andando de mãos dadas por uma rua pouco iluminada, um se esbarrando pela primeira vez numa estação de metrô cheia ou um descobrindo que ambos querem mais que amizade. Uma mãe pode ter acabado de perder um filho, seja por um aborto espontâneo, um acidente de carro ou uma doença devastadora. Um teste de gravidez pode estar sendo feito por alguém que cruza os dedos com a expectativa de que dê negativo. Ou por uma pessoa que fez anos de tratamento.
  Isso acontece o tempo inteiro, esteja você sobrevoando uma cidade ou não. Bilhões de vidas mudam constantemente, tendo tão pouco a ver com você ou uma semelhança enorme. De toda forma, a sensação de que a minha vida é pequena num universo de tantas pessoas se torna ainda mais forte quando vejo carros, ruas e pessoas se tornarem minúsculos através da janela de uma aeronave que, assim como o planeta, está cheia de pessoas com histórias diferentes.
 Cada vez que vejo o aeroporto, a pista de decolagem e tudo que fica ao redor se tornarem menores, mais e mais rápido, até que se tornem pontos embaixo de mim, penso nas pessoas que estão ali embaixo. Nas que sequer posso ver, umas com quem me daria muito bem e outras que me irritariam tanto que fico grata por não ter conhecido.
 Voar é, pra mim, eu lembrete de que o mundo é gigante. De que a vida, as possibilidades, os problemas, os destinos e tudo que sequer conheço são maiores do que consigo pensar. De que, por mais que as coisas pareçam difíceis, elas são só pontos minúsculos num universo inteiro de outras realidades. Voar é um lembrete de que os limites e distâncias só existem na nossa cabeça. E de que atravessá-los é só uma questão de tempo e dedicação.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Desperdício de oportunidades




 Passamos o tempo todo desperdiçando. Desperdiçamos tempo, dinheiro, comida, água, energia, disposição. Desperdiçamos relacionamentos sadios buscando um "algo a mais" que no fundo sequer queremos. Desperdiçamos oportunidades de sermos honestos conosco mesmos e espontânea e naturalmente felizes por medo do que vão pensar.
 Desperdiçamos a experiência de assistir a um ótimo filme só para não irmos sozinhos ao cinema. Desperdiçamos uma saída com os amigos para reassistir o episódio de uma série nem tão legal por preguiça de levantar da cama e trocar de roupa. Desperdiçamos uma conversa que poderia ser muito interessante para chegar postagens de pessoas com quem nem nos importamos de verdade.
 Desperdiçamos uma sobremesa deliciosa por medo de não cabermos na calça jeans recém-comprada. Desperdiçamos beijos com caras babacas por medo de falar com o moço bonito que nos chamou atenção. 
 Desperdiçamos a chance de fazer uma amizade duradoura porque a pessoa parece metida. Desperdiçamos uma ideia maravilhosa ao darmos ouvidos à sensação de que não vai sair como planejado. Desperdiçamos feriados na frente da televisão porque a viagem sonhada ia requerer dois meses de economia. 
 Desperdiçamos oportunidades raras que, uma vez que vão embora, não voltam. Desperdiçamos, às vezes, por estarmos no piloto automático e recusarmo-nos a abraçar uma chance de sair da rotina. Desperdiçamos conscientes do que estamos fazendo, mas fadigados demais para mudar a situação.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Falhas também levam à felicidade

Até a menor pessoa pode mudar o curso do futuro.
 Todo mundo sonha com um final feliz: um emprego bem sucedido com dores de cabeça quase inexistentes, relações com quem é capaz de valorizar cada característica e tempo suficiente para gastar com os hobbies. O ideal de felicidade tem variações entre viver numa pequena cidade italiana ou numa metrópole japonesa, com vinte e um gatos ou dois filhos, num casamento estável ou numa relação aberta... Mas, no fim das contas, só queremos poder acordar e ter orgulho de quem somos. Queremos ser incapazes de pensar em algo que deveria ser mudado em nossas vidas quando nos perguntarem se faríamos algo diferente. Não é fácil, nem impossível, mas demanda muito esforço.
 Pra atingirmos tudo isso é preciso, no meio do caminho, lidar com noites em claro, com críticas cruéis, crises de choro e vontade de desistir. Ou com uma fada madrinha disposta a ajudar. É difícil manter a determinação e não se contentar com um emprego de meio turno, amigos razoáveis e relacionamentos amorosos que caíram na rotina. O mais ou menos parece muito mais simples que a realização do sonho. Ainda mais quando se tem tanta gente falando que é inútil e que temos que nos contentar com o que a vida ou uma entidade superior nos envia.
 Parece que não há nenhum propósito depois de várias listas de metas incumpridas, depois de ouvir uma porção de nãos, depois de descobrir que os filmes com finais felizes são muito diferentes do que acontece por aí. Todo mundo tem mais sorte que você, todo mundo vai mais longe, com um sorriso no rosto e sem o menor sinal de cansaço. Tem gente que simplesmente tem sorte. Você não é uma dessas pessoas. É?
 Nem tudo depende de você. Por mais que continuem dizendo que tudo está em suas mãos, não é verdade. Alguns sonhos realmente se perdem na infinidade de problemas a serem resolvidos, mas as vezes é a coisa certa. Se todos os sonhos se realizassem, provavelmente as coisas não dariam tão certo. Em algum ponto, você descobre que ser advogado é muito mais a sua cara de que ser astronauta. E tá tudo bem. Você descobre que a concorrência no vestibular é enorme e, quando a lista de aprovados sai, o seu nome não tá nela. E tá tudo bem.
 As coisas não acontecem nem como nem quando queremos. E nem tudo é culpa sua. Vai ver a sua vaga no concurso concorrido foi ocupada por alguém que estava desempregado há anos e cuja família precisava do salário. Vai ver a última poltrona do avião que vai para o destino dos seus sonhos vai ser ocupada por uma pessoa que está prestes a rever a mãe depois de um longo período. Não é que você não mereça. Você merece. Você se esforçou para isso. Estudou, trabalhou, juntou dinheiro. Fez tudo que estava ao seu alcance. Mas, o universo, as energias, Deus ou a quem quer que você atribua o destino, achou que seria melhor se fosse da próxima vez.
 Como você vai saber se não dá certo se não tentar de novo? Talvez sejam necessárias oito tentativas. Ou dez. Ou cinquenta e sete. E talvez, no intervalo entre uma tentativa e outra, você descubra um novo sonho. Um que soa muito melhor. Não dá pra saber. Não dá pra escolher. E essa é a graça. O que faz uma vitória ser maravilhosa é a quantidade de esforço que ela requere. Grande parte está nas suas mãos e o trabalho diário é o caminho mais rápido para atingir o que se procura. Mas, não se culpe por tudo. Nem sempre conseguimos o que merecemos ou que desejamos.
 É preciso continuar colocando a maior dedicação possível nas atividades mais entediantes. É preciso aceitar que alguns sonhos morrem e que não tem problema deixar que novas metas entrem no lugar das antigas. Nem tudo segue conforme o nosso plano. A gente tem que, em uma hora ou outra, lidar com uns babacas no meio do caminho. Às vezes, nós somos os babacas. Mas, fica tudo bem. Não de primeira e nem seguindo o plano inicial. Mas, fica. Uma hora ou outra acabamos vencendo a felicidade pelo cansaço.