terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Voar e seus lembretes

Esse texto é parte de uma série com os posts que escrevi para o meu blog antigo.

 

 Eu amo voar. Não num sentido conotativo, relacionado com dar asas à imaginação ou com qualquer outra metáfora, mas literalmente voar. Numa cadeira de avião. De preferência ao lado da janela – porque Alexandre Garcia estava certíssimo quando elogiou as maravilhas desse tipo de assento -. Não só porque é prático, rápido e bem mais confortável do que a maioria dos meios de transporte. Nem porque é o único em que consigo ler, escrever e desenhar sem começar a sentir dor de cabeça. Mas porque a ação tem um significado muito bonito pra mim. 
 Primeiro porque, por mais que já tenha escutado mais de uma vez a explicação de como algo tão pesado consegue se manter no céu, ainda acho que o processo passa um pouquinho de mágica. Uma mágica física, mas não menos interessante. Ver a estrutura gigante se afastar do solo e passar entre as nuvens é sempre uma experiência incrível.
 Também porque sempre me encanto ao pensar nas bilhares de experiências diferentes sendo vividas nesse exato momento. Enquanto você lê isso, alguém pode estar sendo pedido em casamento, dando o primeiro beijo, terminando um relacionamento abusivo, comprando um vestido azul que tem um caimento perfeito ou lendo um livro entediante. Pode ser que alguém tenha acabado de descobrir uma gravidez, a diminuição de um tumor que reagiu bem aos tratamentos ou o caso que o cônjuge vem mantendo há anos. 
 Talvez agora haja um casal andando de mãos dadas por uma rua pouco iluminada, um se esbarrando pela primeira vez numa estação de metrô cheia ou um descobrindo que ambos querem mais que amizade. Uma mãe pode ter acabado de perder um filho, seja por um aborto espontâneo, um acidente de carro ou uma doença devastadora. Um teste de gravidez pode estar sendo feito por alguém que cruza os dedos com a expectativa de que dê negativo. Ou por uma pessoa que fez anos de tratamento.
  Isso acontece o tempo inteiro, esteja você sobrevoando uma cidade ou não. Bilhões de vidas mudam constantemente, tendo tão pouco a ver com você ou uma semelhança enorme. De toda forma, a sensação de que a minha vida é pequena num universo de tantas pessoas se torna ainda mais forte quando vejo carros, ruas e pessoas se tornarem minúsculos através da janela de uma aeronave que, assim como o planeta, está cheia de pessoas com histórias diferentes.
 Cada vez que vejo o aeroporto, a pista de decolagem e tudo que fica ao redor se tornarem menores, mais e mais rápido, até que se tornem pontos embaixo de mim, penso nas pessoas que estão ali embaixo. Nas que sequer posso ver, umas com quem me daria muito bem e outras que me irritariam tanto que fico grata por não ter conhecido.
 Voar é, pra mim, eu lembrete de que o mundo é gigante. De que a vida, as possibilidades, os problemas, os destinos e tudo que sequer conheço são maiores do que consigo pensar. De que, por mais que as coisas pareçam difíceis, elas são só pontos minúsculos num universo inteiro de outras realidades. Voar é um lembrete de que os limites e distâncias só existem na nossa cabeça. E de que atravessá-los é só uma questão de tempo e dedicação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário